Dentre as grandes controvérsias tributárias, poucas repercutiram por tantos anos no âmbito da Administração tributária, do Judiciário, Legislativo e agora no Executivo, quanto a tributação federal (Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas, Contribuição Social sobre o Lucro, PIS e COFINS) das subvenções fiscais, sobretudo dos incentivos de ICMS.
Neste breve artigo, analisaremos (i) as implicações da recente Lei Federal 14.789/2023 que alterou as regras de tributação de subvenções fiscais para investimentos concedidos por estados por meio de benefícios fiscais de ICMS, (ii) as velhas e novas controvérsias que passarão a orbitá-la e (iii) as perspectivas para a discussão da tributação das subvenções, considerando, sobretudo, o papel dos Tribunais Superiores.
a. Panorama geral do regime anterior à Lei 14.789/2023
Os estados e municípios sempre buscaram atrair investimentos do setor privado, sendo uma das estratégias a concessão de incentivos fiscais, tais como os benefícios de ICMS. Os efeitos esperados da política de desoneração são variados, mas incluem a atração de capital privado, o desenvolvimento regional, a criação de empregos, o aumento da arrecadação total e assim por diante.
Apesar dos possíveis efeitos positivos para o Estado concedente, houve algumas discussões sobre o tratamento desses benefícios por outros entes federados.
Em relação aos estados, houve discussões a respeito da legitimidade de créditos outorgados por outros estados, no contexto da chamada Guerra Fiscal, em que contribuintes foram autuados por aproveitarem de créditos de ICMS advindos de estados que haviam concedidos benefícios fiscais.
Já em relação à União Federal, a discussão surgida foi a respeito de se a redução da carga fiscal provocada pelos incentivos fiscais concedidos pelos entes federados (estados e municípios) poderia ser tratada como receita nova (PIS/COFINS) e como componente da apuração do lucro (IRPJ/CSLL).
A Receita Federal do Brasil sempre teve um posicionamento bastante restritivo em relação à possibilidade de exclusão dos incentivos fiscais das bases dos tributos federais. O Parecer Normativo CST nº 112/1978 delimitava que as isenções ou reduções de impostos só seriam classificadas como subvenções para investimento e, portanto, passíveis de exclusão do resultado operacional, quando apresentassem as seguintes características:
a) a intenção do subvencionador (ente federado) de destiná-las para investimento;
b) a efetiva e específica aplicação da subvenção, pelo beneficiário, nos investimentos previstos na implantação ou expansão do empreendimento econômico projetado; e
c) o beneficiário da subvenção ser a pessoa jurídica titular do empreendimento econômico.
Diante da exigência desses vários requisitos, bem como da dificuldade em comprovar o seu cumprimento integral, a RFB procedeu com a autuação dos contribuintes, e estes por sua vez passaram a contestar administrativamente as exigências de tributos federais, sobretudo de IRPJ e CSLL.
Quando a discussão foi remetida ao CARF, o órgão apresentou postura semelhante à RFB, e passou a exigir das empresas a efetiva demonstração de implantação de empreendimentos. Da leitura dos Acórdãos-CARF 9101-003.084, 9101-003.171 e 9101-003.167, verifica-se que a 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais, em 2017, ao julgar autuações de anos-calendários entre 2005-2009, passou a exigir que os créditos presumidos de ICMS fossem devidamente escriturados, de modo que “possam refletir na contabilidade a aplicação dos recursos em ativo em montante proporcional às transferências recebidas”.
A legalidade e constitucionalidade dessa tributação, considerando-se os conceitos de renda, lucro, receita e o pacto federativo, também passou a ser questionada no Judiciário.
Em meio a tantas controvérsias, sobreveio a publicação da Lei Complementar 160/2017 que, além de convalidar os incentivos de ICMS concedidos pelos estados à revelia do CONFAZ, a fim de apaziguar Guerra Fiscal, também enquadrou os incentivos e os benefícios financeiro-fiscais relativos ao ICMS como “subvenções para investimento”. Essa classificação foi bastante relevante pois, como visto, a principal controvérsia discutida no CARF tinha relação com o cumprimento ou não dos requisitos para classificar os incentivos fiscais como subvenções para investimento.
Nessa toada, a lei complementar alterou o art. 30 da Lei 12.973/2014 (dispõe sobre o IRPJ e a CSLL) para permitir a dedução dos incentivos de ICMS do lucro real, desde que contabilizados em reserva de lucros e utilizados para os fins lá previstos (art. 30, I e II). Anteriormente a essa alteração, como já visto, os incentivos de ICMS tinham de percorrer longo caminho probatório para serem classificados como subvenções.
Foi vedada, ainda, a exigência de outros requisitos ou condições não previstos no artigo. Não obstante isso, a RFB ainda passava a exigir que tais incentivos, para fins de exclusão das bases do IRPJ e da CSLL, fossem concedidos como “estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos” (Solução de Consulta Cosit nº 145/2020).
Independentemente da posição da RFB, à luz da Lei 12.973/2014 pós alteração via lei complementar, não era necessário, via de regra, comprovar que os incentivos fossem concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.
Neste sentido, em relação à discussão sobre a legitimidade da tributação dos benefícios pelo IRPJ e a CSLL, o STJ manifestou-se no entendimento de que, para os casos em que não houvesse cumprimento do art. 30 da Lei 12.973/2014, a tributação seria devida. À exceção foram os créditos presumidos, para os quais a Corte manteve entendimento de não estarem sujeitos à tributação porque haveria, apenas nesses casos, violação ao pacto federativo. As controvérsias relacionadas à tributação no âmbito do Poder Judiciário serão melhor tratadas adiante.
Era esse o tratamento tributário em essência, ressalvadas as lapidações do Judiciário a serem analisadas, que estava em vigor até a publicação da Lei Federal 14.789/2023.
b. Modificações no regime das subvenções para investimento trazidas pela Lei 14.789/2023
A nova lei, fruto da conversão da Medida Provisória 1.185/2023, revogou integralmente o art. 30 da Lei 12.973/2014 e os incisos X do §3º do art. 2º da Lei 10.637/0202 e IX do §3º do art. 1º da Lei 10.833/2003, reformulando a qualificação dos incentivos fiscais de ICMS como subvenção para investimento e seu respectivo tratamento tributário.
Com base nas alterações promovidas na legislação, a Lei 14.789/2023 pretendeu restabelecer a obrigatoriedade de inclusão das subvenções para investimento na base de cálculo do IRPJ/CSLL, bem como da base de cálculo do PIS e da COFINS. Partiu da premissa, portanto, de que esses benefícios seriam qualificáveis como receitas tributáveis.
Por essa disposição, os incentivos de ICMS passam a ser tributados independentemente do cumprimento de determinados requisitos legais, de modo que as receitas decorrentes das subvenções para investimento sejam regularmente oferecidas à tributação pelo IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.
Como contrapartida, a legislação prevê o direito de o contribuinte apurar um de crédito fiscal, nos casos em que receber subvenção para implantar ou expandir empreendimento econômico, nos termos do art. 2º da nova lei. Este crédito fiscal corresponderá à aplicação da alíquota de 25% (alíquota do IRPJ acrescida do adicional) sobre as receitas de subvenção do período, desde que decorrentes de implantação ou expansão do empreendimento econômico.
Nos termos dos arts. 6º e 8º, I e II, o crédito fiscal de subvenção para investimento corresponderá somente ao produto das receitas que sejam relacionadas às despesas de depreciação, amortização, exaustão, locação ou arrendamento de bens de capital empregados na implantação ou expansão do empreendimento e que tenham sido oferecidas à tributação pelo IRPJ e pela CSLL.
Dessa forma, somente haverá a apuração de crédito fiscal sobre o montante dispendido a título de investimento proporcionalmente à depreciação ou amortização do bem, observados os requisitos e pressupostos, o que corresponde a uma profunda restrição à utilização do benefício fiscal previsto na legislação.
Não obstante essa alteração no tratamento fiscal dos incentivos, há aqui uma constante: a União segue exercendo alto grau de ingerência sobre os incentivos fiscais concedidos pelos estados.
A legalidade e constitucionalidade da tributação pela União dos benefícios fiscais de ICMS, considerando-se os conceitos de renda, lucro (IRPJ e CSLL), receita (PIS e COFINS) e o pacto federativo, foram questionadas no Judiciário.
A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do EREsp 1.517.492 em 2018, cuja controvérsia iniciou-se antes da Lei Complementar 160/2017, firmou o entendimento de que não deve incidir IRPJ e CSLL sobre créditos presumidos de ICMS (uma modalidade de incentivo fiscal), prevalecendo a soberania do pacto federativo.
Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal, 1 ano antes (2017), havia firmado no Tema 957 da repercussão geral que essa matéria teria caráter infraconstitucional, delegando assim ao STJ sua resolução definitiva.
Com relação ao PIS e à COFINS, o STF havia dado início em 2021 ao julgamento do Tema 843 da repercussão geral (afetado em 2015), no qual se discute a possibilidade de exclusão da base de cálculo do PIS e da COFINS dos créditos presumidos de ICMS decorrentes de incentivos fiscais concedidos pelos estados e pelo Distrito Federal.
À época daquele julgamento, horas antes da finalização no Plenário virtual, havia apertada maioria (6×5) para decidir pela invalidade da tributação pretendida pela União, nos termos do voto do Ministro relator, Marco Aurélio, uma vez que tais incentivos, na qualidade de subvenções, seriam incompatíveis com o conceito de receita.
O Ministro Marco Aurélio fundamentou, em obter dicta (razões de decidir subsidiárias e não vinculantes), que a redução de despesas, ao propiciar aumento do resultado operacional da pessoa jurídica, interessa, em regra, à tributação efetuada sobre o lucro – IRPJ e CSLL –, e não à tomada como receita, cuja materialidade diz com ingressos efetivos que tenham potencial de aumentar o ativo, sendo neutro proceder-se a deduções no passivo.
Ocorre que, após formada a maioria, pediu destaque do julgamento o Ministro Gilmar Mendes, cujo efeito é a imediata suspensão da deliberação virtual e envio do feito para uma sessão presencial do Plenário, que até hoje não foi agendada.
Mas vale lembrar que, até aquela época, os Tribunais Superiores haviam discutido tão somente a tributação federal sobre os créditos presumidos de ICMS. O que dizer sobre os demais incentivos fiscais, tais como redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros?
Foi então que a matéria de tributação pelo IRPJ e pela CSLL de todas as demais modalidades de incentivos fiscais de ICMS foi afetada ao rito dos Recursos Repetitivos e autuada como Tema 1.182, cuja tese a ser fixada nortearia as demais instâncias do Judiciário (art. 1.039 do Código de Processo Civil).
O tema foi então submetido a julgamento, e a 1ª Seção, em abril de 2023, por maioria, fixou a tese no sentido de que é “Impossível excluir os benefícios fiscais relacionados ao ICMS, – tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros – da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, salvo quando atendidos os requisitos previstos em lei (art. 10, da Lei Complementar 160/2017 e art. 30, da Lei 12.973/2014), não se lhes aplicando o entendimento firmado no EREsp 1.517.492 que excluiu o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.”
Em resumo, o STJ confirmou o entendimento de que os créditos presumidos de ICMS não se sujeitam à incidência do IRPJ e CSLL, por ofensa ao pacto federativo, independentemente do cumprimento das condições previstas na legislação.
Apesar disso, a Corte Superior definiu que tal entendimento não é aplicável aos demais incentivos fiscais de ICMS, mas assegurou a possibilidade de sua exclusão da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, desde que observados os requisitos previstos no art. 10 da Lei Complementar 160/2017 e no art. 30 da Lei 12.973/2014.
O julgamento desse Repetitivo também surtiu efeitos consideráveis no Judiciário e no Executivo e Legislativo.
Pouco antes do início do julgamento presencial do Repetitivo, o Ministro André Mendonça do STF (sucessor do Ministro Marco Aurélio, e, portanto, novo relator do Tema 843 da repercussão geral) atendeu ao pedido da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG) pela suspensão do julgamento do Tema Repetitivo 1.182.
Em suas razões de decidir, o Ministro fundamentou que o julgamento do STJ encontra relação de prejudicialidade com o Tema 843, de maneira que se fosse deliberado o Tema 1.182/STJ antes do Tema 843/STF, principalmente caso exista dissonância na fundamentação ou no resultado entre eles, poderia promover insegurança jurídica no sistema de precedentes obrigatórios brasileiro.
Após a notícia e a primeira sustentação oral, o julgamento foi temporariamente suspenso para os Ministros do STJ decidirem como proceder. Em seguida, os representantes dos contribuintes e da Fazenda foram reconvocados ao Plenário, no que foi noticiado que a Seção daria sim continuidade ao julgamento, a despeito da posição do STF.
Decorrido então o julgamento do STJ, cuja validade foi confirmada após a revogação, pelo Ministro André Mendonça, de sua decisão, bem como considerando todo o cenário jurídico e jurisprudencia acima citado, tinha-se o cenário no qual: (i) os créditos presumidos de ICMS não poderiam sofrer a tributação pelo IRPJ e pela CSLL, sob nenhuma hipótese; (ii) ainda era controvertido se referidos créditos presumidos, e demais incentivos fiscais, poderiam ou não sofrer a tributação pelo PIS e pela COFINS; e (iii) os demais incentivos fiscais de ICMS somente poderiam ser excluídos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL acaso atendidos os requisitos da Lei Complementar 160/2017.
Diante desse necessário, foi editada a Medida Provisória 1.185/2023, posteriormente convertida na Lei 14.789/2023.
Essa medida deu mais fôlego à discussão de se seria competência da União, considerando o pacto federativo, controlar ou dispor sobre os incentivos fiscais de outros entes federados. Mas, a nosso ver, restou clara a inaplicabilidade das disposições da Lei 14.789/2023 aos créditos presumidos, diante da afirmação do STJ de que a sua intributabilidade decorria do pacto federativo, mesmo havendo autorização legal para tanto.
Ainda que tenha havido a substituição de grande parte do arcabouço normativo que por anos norteou a discussão dos Tribunais Superiores, certo é que sua jurisprudência em constante construção não caiu por terra.
Dito isso, e conforme demonstramos até aqui, o tema posto para resolução perante o STJ e principalmente o STF transcende a discussão de exclusão dos incentivos de ICMS da base de cálculo dos tributos federais. Os Tribunais Superiores irão se debruçar sobre qual seria o grau de ingerência que um ente federado pode ter na política fiscal de outro ente.
Isto porque esses incentivos detêm relação direta com o poder de tributar dos estados e com os objetivos fundamentais da República, ambos os quais atraem os Princípios do Pacto Federativo, da Subsidiariedade, e da Isonomia entre os entes, justamente para evitar os efeitos deletérios da tributação discutida.
Vale lembrar que é pacífico na dogmática jurídica e na jurisprudência do STF (ADI 429) que o poder de isentar é decorrência lógica do poder de tributar. É dizer, só quem pode cobrar o tributo pode renunciá-lo. Quando o estado federado concede isenção tributária, por exemplo, o legislador não abdica de seu posto, nem de seu poder de impor tributo.
Porém, o fato de um estado não exercer sua competência, ainda que irregularmente, não autoriza o outro estado a exercê-la em seu lugar (SCHOUERI, Luís Eduardo. Livre concorrência e tributação. Grandes questões atuais do Direito Tributário. v.11. São Paulo: Dialética, 2007, pg. 270).
E como não abdica, não há que se falar em competência tributária, tampouco legislativa, de outro ente, sobretudo a União, sobre aquela parcela desonerada.
Mas, como visto, a União é persistente em editar normas as quais dispõem sobre o tratamento tributário a esses incentivos. Logo, ao tentar infirmar sua competência tributária sobre aquilo que foi renunciado por outro ente, a União macula o seu Poder de Isentar, consectário do de Tributar.
É da violação das normas sobre competência tributária fixadas na Constituição Federal que nasce a afronta ao pacto federativo, e reclama às Cortes Superiores o seu dever/poder de analisar a matéria.
Até porque os estados, ao renunciarem à parte do ICMS que lhes seria devido, realizam política fiscal, reduzem o custo das operações praticadas pelas empresas, e, consequentemente, conferem competitividade do produto, além de terem como retorno (não obrigatório, mas inerente) a geração de empregos e renda no estado, ante ao incremento da industrialização, expansão do investimento e desenvolvimento econômico regional.
A concessão de incentivos atende também às diretrizes constitucionais inseridas nos arts. 3º “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (…) III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.
Assim, reduzir o alcance dessa desoneração por via oblíqua, como pretende a União, parece atentar contra esses dispositivos. Isto se deve ao fato de que onerar um incentivo fiscal de tributo plurifásico (ICMS), acaba majorando o seu efeito em cascata.
O Professor Humberto Ávila, em parecer elaborado a fim de subsidiar o julgamento do Tema Repetitivo 1.182, ilustrou que a cada R$ 100 (cem reais) concedido pelos estados de benefício fiscal, R$ 34 (trinta e quatro reais) seriam tributados pela União (alíquota de 34%), reputando tal tributação como um “pedágio federativo” que compromete a efetividade da política fiscal dos estados.
O próprio STJ, no julgamento do EREsp 1.517.492, invocou o pacto federativo para firmar o entendimento de que não deve incidir IRPJ e CSLL sobre créditos presumidos de ICMS, entendimento esse que reputamos aplicável, mesmo à nova Lei 14.789/2023. Em outras palavras, a invocação do pacto federativo inibe a interferência de um ente federado na política fiscal de outro ente, independentemente da modalidade pela qual o incentivo é concedido.
Sobremais, na esteira da jurisprudência do próprio STF, essa lide é passível de ser resolvida à luz dos Princípios da Subsidiariedade e da Isonomia entre os entes, os quais resguardam o pacto federativo, conforme registrado no julgamento das ADPFs 357 e 848 pelo Supremo.
Para fins de aplicação desses princípios, entendemos relevante mencionar o julgamento paradigmático do Tema 653 da repercussão geral, em que o STF firmou ser constitucional a redução do produto da arrecadação do Fundo de Participação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, em razão da concessão de incentivos fiscais relativos ao Imposto de Renda (IR) e ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) por parte da União.
Considerando esse cenário constitucional vigente, o STF deve ser instado a se manifestar se seria compatível com a Constituição Federal respaldar um regime jurídico em que a União, ao instituir os seus incentivos de IR e IPI, diminui a receita dos outros entes federados, mas, quando esses entes instituem os seus próprios incentivos, no caso de ICMS, a União tenta aumentar a sua arrecadação.
Como ponto agravante, vale mencionar que ao mesmo tempo em que a União concede benesses a título de IPI (o que diminui as receitas do estados e municípios no momento da repartição), tende a aumentar as alíquotas, por exemplo, do PIS e da COFINS, contribuições as quais constitucionalmente não são repartidas com os demais entes.
Evidenciada essa atualíssima discussão, certo é que não faltarão fundamentos para que os Tribunais Superiores se pronunciem sobre o tema.
No caso do STF, além do Tema 843, pendente de julgamento, há também as recém ajuizadas ADINs 7551 e 7604 que, de autoria do Partido Liberal (PL) e da Confederação Nacional da Indústria (CNI) respectivamente, questionam, à luz do pacto federativo, a constitucionalidade da Lei 14.789/2023, que alterou as regras de tributação de incentivos fiscais concedidos por estados.
O relator da ação, Ministro Nunes Marques, reconhecendo a relevância da matéria e sua repercussão na ordem social e na segurança jurídica, já acionou o rito abreviado referente ao art. 12 da Lei 9.868/1999, solicitando a manifestação das autoridades envolvidas com vistas ao julgamento definitivo da controvérsia, e consignou que o pedido cautelar pode ser, a qualquer tempo, apreciado, considerados o risco e a urgência apontados na inicial.
Já em relação ao STJ, relembramos que a Corte terá a chance de reafirmar a sua jurisprudência firmada no EREsp 1.517.492, já que está pendente de afetação ao rito dos Recursos Repetitivos a Controvérsia 576, na qual se discute a possibilidade de inclusão dos créditos presumidos de ICMS na base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Essa possível afetação é bastante relevante, sobretudo considerando que a 2ª Turma do STJ, no julgamento do AREsp 2.388.499 no final do ano passado, firmou o entendimento de que os créditos presumidos de ICMS também devem cumprir os requisitos da Lei Complementar 160/2017 para fins de dedução do IRPJ e da CSLL, não sendo possível a sua exclusão automática, o que diverge da ratio firmada no EREsp 1.517.492.
É face a esse cenário de alterações e sobreposições legislativas, bem como de conflitos de precedentes entre os Tribunais Superiores, que a Lei 14.789/2023 se defronta.
Decerto a nova lei não pacificou o cenário atual de insegurança jurídica que orbita a discussão de tributação federal sobre os incentivos fiscais de ICMS, seja porque imposta via Medida Provisória, seja porque pendem de discussão aspectos relevantes nos Tribunais Superiores, seja ainda porque a jurisprudência até então construída por esses Tribunais não poderá ser ignorada – implicando, aqui, o necessário reconhecimento de que as regras da Lei 14.789/2023 são inaplicáveis aos créditos presumidos de ICMS, que seguirão fora do âmbito de incidência dos tributos federais.