Com a reforma do Sistema Tributário em curso, um tema parece especial atenção: a regressividade da tributação do consumo como componente do agravamento das desigualdades sociais e de gênero.
Por Gabriela Galdi e Viviane Strachicini
O diagnóstico é unânime: a tributação do consumo no Brasil afeta desproporcionalmente a renda dos consumidores de baixa renda e seus núcleos familiares. Mas há uma segunda dimensão para essa regressividade: a tributação mais gravosa que afeta as mulheres brasileiras em relação aos homens.
No Brasil, dados do Dieese do 4º trimestre de 2023 indicam que as mulheres ganham menos que os homens e enfrentam taxas mais altas de desemprego, representando um grupo de maior vulnerabilidade social. A situação é ainda mais grave quando olhamos para os dados de mulheres negras.
Acontece que esse grupo mais vulnerável é também o maior responsável pela saúde, cuidado e bem-estar das famílias brasileiras. Elas atuam de forma decisiva na organização e alimentação em suas casas, recaindo sobre elas a maior carga na manutenção e formação da força de trabalho. Elas gastam em média mais tempo com afazeres domésticos (algo próximo de 6 horas adicionais por semana), lideram pelo menos 50,8% das famílias brasileiras, e, no caso das famílias monoparentais, cerca de 5 em cada 6 estão sob sua liderança.
Junto com as responsabilidades pela família vem também, em grande parte das vezes, os gastos com os bens de consumo necessários para esses cuidados: alimentação, higiene, produtos ligados à saúde e assim por diante.
Ficam a cargo da mulher, ainda, cuidados com o planejamento reprodutivo e com o ciclo conceptivo, desde a gestão das consequências dos ciclos menstruais até os cuidados com a gestação, parto e primeira infância.
Por todas essas razões, é delas uma maior atribuição na aquisição de bens de consumo de alimentação, higiene pessoal, saúde, vestimenta, e assim por diante. Há, ainda, um agravante: há uma demanda maior por produtos envolvendo o cuidado feminino, os quais tendem ter um valor mais alto do que aqueles voltados para o público masculino.
Consequentemente, o problema da regressividade da tributação afeta as mulheres em cheio, sendo seguro afirmar que afeta mais homens que mulheres e mais mulheres negras do que brancas.
Ainda que de forma tímida, a Reforma Tributária parece ter olhado para esses problemas. Dentre as alterações promovidas pela Reforma Tributária, destaca-se a redução da alíquota do IBS e CBS para os produtos de cuidados básicos à saúde menstrual, conforme artigo 9º, § 1º, VI do texto aprovado.
Outro ponto de destaque é a criação da Cesta Básica Nacional e a concessão de alíquota zero aos produtos que a compõem, conforme previsto no artigo 8º da norma, e o estabelecimento de um sistema de cashback que permitirá a devolução do tributo pago para famílias de baixa renda. Ainda que não seja uma medida voltada para a resolução de questões de gênero, é possível notar que a medida atingirá de forma muito relevante o público feminino responsável por arcar com essas compras.
Além disso, relevante foi a determinação de uma reavaliação quinquenal de benefícios tributários concedidos a bens e serviços, para assegurar a manutenção da igualdade entre homens e mulheres na concessão desses incentivos. Essa inovação prevista no artigo 9º, § 11º do texto da reforma deve constituir um norte na avaliação de políticas fiscais, que deverão olhar para os desafios que exemplificamos neste artigo.
Esse esforço é um começo necessário para o enfrentamento das distorções de gênero que o sistema tributário brasileiro tem ajudado a consolidar em nosso País.
Em 2023, a Liga Feminina do schneider, pugliese, promoveu o webinar “Reforma Tributária: as mulheres na agenda de política pública fiscal”, oportunidade em que foi debatido sobre a inclusão das questões de gênero no debate de políticas públicas fiscais e sobre a necessidade de a Reforma Tributária contemplar o tema da carga tributária que recai sobre mulheres no Brasil (acesse).