Há fortes indícios de que as atividades do agronegócio serão contempladas por alguma forma de diferenciação de alíquota e/ou de regime tributário, mas ainda não é possível saber exatamente como e o que será proposto
Por Aline Marçal, Lucca Campedelli e Viviane Strachicini
Apesar de há muito se discutir uma reforma no sistema tributário, tem-se formado o consenso de que o cenário atual seria favorável à aprovação de um texto baseado nas PECs 45 e 110, que conta com o endosso do Governo Federal.
O pressuposto das reformas hoje em pauta seria a simplificação do sistema tributário, mas há, contudo, questionamentos a respeito da pertinência de uma reforma nos modelos dessas PECs levando-se em conta especificamente os seus impactos em determinados setores da economia e da sociedade civil, ou mesmo, a inexistência de dimensionamento adequado dessas implicações.
Em conjunto com o levantamento do que se espera para fins de reforma tributária nesse momento, discutiremos, neste artigo, os potenciais impactos de uma reforma nos moldes daquelas em discussão para o agronegócio, setor relevante para o PIB brasileiro e que é hoje signatário de importantes políticas fiscais por parte do Estado.
Em fevereiro deste ano, por meio de ato de seu Presidente, Arthur Lira, a Câmara dos Deputados instituiu Grupo de Trabalho (GT) destinado a analisar e debater a PEC 45/2019, que reformula o Sistema Tributário Nacional.
O GT apresentou recentemente seu relatório com as diretrizes que guiariam uma eventual reforma, baseando-se não apenas na PEC 45, mas também nas discussões da PEC 110: a substituição dos cinco tributos sobre o consumo atual por um IBS não cumulativo e um imposto seletivo, criando-se um sistema de “IVA dual”.
O IBS é chamado pelo relatório como um “IVA Moderno”, que seria aquele com “base ampla, cobrado por fora e no destino, com não-cumulatividade plena e com poucas alíquotas e exceções”.
O relatório propõe a adoção de uma “alíquota padrão”, permitindo-se então outras alíquotas para bens e serviços específicos, devendo ser aplicadas excepcionalmente. De acordo com o texto, “um IBS com poucas alíquotas e exceções colabora com a simplificação do sistema e tem se mostrado por diversos estudos econômicos internacionais como a melhor forma de tributar o consumo”.
Se considerarmos o texto substitutivo da PEC 45 proposto pela Comissão Mista, não seria permitida a concessão de benefícios fiscais. Contudo, haveria uma exceção a essa regra: a lei complementar poderia, por até 12 anos após a instituição da IBS, instituir incentivos fiscais para alguns setores, que incluiriam os de atividades agropecuárias, agroindustriais, pesqueiras e florestais.
Por outro lado, o relatório do GT cita, nesse momento, a manutenção de apenas dois Regimes Tributários Favorecidos: a Zona Franca de Manaus e o Simples Nacional, não havendo menção no relatório a respeito da manutenção ou instituição de novos incentivos fiscais para o agronegócio, inicialmente previstos na PEC 45 como sujeitos a previsão em Lei Complementar. O GT recomenda, por fim, que os benefícios fiscais de ICMS convalidados até 2023 pela LC 160/2017 sejam respeitados e que o substituto defina, após discussão com os Governos federal e estaduais, a formatação necessária para o cumprimento dessa diretriz.
Considerando esses parâmetros fixados, fica claro que: (i) a diretriz inicial é a inexistência de incentivos fiscais e diferenças de alíquotas em razão de bens e setores da economia; (ii) os incentivos fiscais e diferenças de alíquota poderão eventualmente existir, mas serão tratados como excepcionais; (iii) de todo modo, não há, até o momento, uma definição de quais serão essas exceções e qual seria o seu período de vigência, a qual provavelmente precisará ser objeto de legislação complementar posterior; (iv) há fortes indícios de que as atividades do agronegócio serão contempladas por alguma forma de diferenciação de alíquota e/ou de regime tributário, mas ainda não é possível saber exatamente como e o que será proposto para esse seguimento em relação à Reforma Tributária.
Considerado o cenário atual das discussões da reforma, em especial, as conclusões do GT, há apreensão em relação aos impactos que a reforma poderia representar para o setor do agronegócio, diante de dois principais pontos de partida:
Nesse contexto, não é possível saber nesse momento se as peculiaridades do setor estão sendo consideradas, mas há pistas de que há impacto efetivo a ser esperado. A primeira delas é a de que no regime tributário atual o agronegócio conta com importantes benefícios fiscais. Para citar alguns, somente em esfera federal, temos os seguintes:
Para além da lista de incentivos federais, há também importantes incentivos estaduais a serem mencionados, tais como os previstos nos Convênios ICMS 52/91 e 100/97, que visam a redução da base de cálculo do ICMS nas operações com equipamentos industriais e implementos agrícolas (52/91) e nas saídas de insumos agropecuários especificados (100/97). Para o caso dos incentivos do ICMS, lembramos que há recomendação de manutenção de benefícios do ICMS objeto de convalidação pela LC 160/2017, mas não há especificação de como isso ocorreria, já que o ICMS seria substituído pelo IBS no novo sistema.
Sobre isso, voltamos a destacar o segundo ponto de atenção em relação ao texto das reformas em discussão: a ausência de divulgação de estudos efetivos a respeito do dimensionamento desses impactos pelo Governo Federal e pelas Casas Legislativas que têm encabeçado essa discussão.
Nesse cenário, não há indicativos claros de que a proposta de reforma em voga considerou e dimensionou as consequências da unificação de alíquotas e extinção de benefícios fiscais para esse setor econômico tão importante para a economia.
Outro aspecto que nos chama a atenção é a ausência de previsões específicas relacionadas à assim dita tributação da “economia verde”. Apesar de haver breve menção no texto do relatório à conformação da reforma a parâmetros de sustentabilidade e ambientais internacionais, não são abordadas questões relacionadas à manutenção dos aspectos fiscais do programa de descarbonização hoje vigente no Renovabio, de criação de um regime específico para os créditos de carbono a serem aproveitados pelo setor, ou ouras previsões pertinentes sobre o tema, tais como incentivos e desincentivos à produção em áreas de desmatamento.
Desse modo, em face dos elementos acima expostos, resta claro que a despeito da necessidade de implementação da reforma tributária no ordenamento jurídico brasileiro, para fins de aumento da eficiência econômica, simplicidade administrativa e flexibilidade do presente sistema, devem todos os setores da economia nacional, em especial aqueles mais contemplados por benefícios fiscais e regimes tributários específicos, manter-se alertas para os futuros impactos da reforma. Tais mudanças devem ser profundamente estudadas de modo a se aproveitar essa oportunidade de aperfeiçoamento legislativo sem a necessidade de calcar-se unicamente em regimes especiais e benefícios de ajuste, sendo este um momento claramente oportuno para que seja dado destaque ao desenvolvimento de um marco de tributação verde, aproveitando assim o potencial ecológico nacional que se mantem latente diante da inércia legislativa e da falta de incentivos tributários nesta seara.
A reforma tributária, enquanto marco de significativa importância para o avanço da tributação nacional em seu auxílio ao crescimento econômico, implica também inseguranças a serem enfrentadas, sendo que esse momento de alteração legislativa representa, acima de tudo, uma oportunidade para discussão e para avanços efetivos da tributação a partir de um diagnóstico profundo do sistema tributário, que precisa avaliar os diversos setores da economia.