A Receita Federal do Brasil editou a Instrução Normativa RFB nº 2.101/2022 para alterar a Instrução Normativa RFB nº 1.861/2018, que trata da regulamentação das operações de importação indireta (por conta e ordem de terceiros e por encomenda).
Apesar de introduzir relevante mudança para importações realizadas por pessoas físicas, adiante esclarecidas, vale destacar a inclusão da previsão de que a RFB aplicará a pena de perdimento (ou a multa de conversão, equivalente a 100% do valor aduaneiro) nas hipóteses de ocultação do encomendante predeterminado, mediante fraude ou simulação, em operação caracterizada como importação indireta, independentemente (a) da existência de contrato formal previamente firmado para aquisição das mercadorias; e/ou (b) mesmo no caso de cumprimento regular das obrigações acessórias de registro da operação de importação, habilitação dos envolvidos, emissão de documentário fiscal e escrituração contábil.
Essa previsão pode ser entendida como uma tentativa questionável da RFB de mitigar seu ônus probatório e de enquadramento no tipo infracional para aplicação das penalidades de perdimento bem como de infirmar os principais argumentos que vêm sendo apresentados pelos contribuintes em acusações de interposição fraudulenta. Busca-se afastar a necessidade de comprovação de que a importação se deu para atender a uma solicitação prévia por um terceiro não informado na Declaração de Importação e dar suporte à presunção, mediante avaliação de fatos circunstanciais, que vem sendo adotada na maioria das acusações fiscais deste tipo e a demonstração que ocorreu algum efetivo prejuízo ao erário pela não indicação do terceiro adquirente/encomendante, especialmente num cenário em que eventual óbice ao controle de aduaneiro que pudesse ser causado pela ausência de indicação é superado pela emissão dos documentos fiscais e escrituração contábil regular, que permite que o Fisco identifique o fluxo de recursos e da mercadoria.
A nova previsão tende a relativizar a necessidade da RFB comprovar a existência de uma solicitação prévia à aquisição da mercadoria no exterior, seja em um contrato formal ou em outro tipo de negociação extracontratual (v.g. e-mails ou solicitações em plataformas digitais), para que seja caracterizada a necessidade de enquadramento da operação em um modelo de importação indireta, não sendo válido descaracterizar uma importação direta simplesmente porque a mercadoria foi entregue de maneira célere a um terceiro, por exemplo. Da mesma forma, entendemos que a aplicação de uma penalidade tão grave quanto a do perdimento demanda ao mesmo tempo (a) a comprovação de que a omissão do terceiro se deu de maneira dolosa e fraudulenta, para obtenção de uma vantagem indevida e não simplesmente por uma falha na interpretação da intrincada legislação aduaneira; e (b) que houve um efetivo prejuízo ao controle aduaneiro, com a tentativa de inviabilização insuperável da fiscalização aduaneira.
Trata-se de uma questão que as empresas que atuam no comércio exterior devem ficar bastante atentas, porque pode representar uma tendência a um maior rigor fiscalizatório a partir deste momento.
Outra mudança foi a regulamentação da possibilidade de pessoas físicas realizarem importações indiretas, valendo pontuar que nessa nova regulamentação não há necessidade de que tais adquirentes possuam RADAR (basta a vinculação do CPF do adquirente predeterminado na Declaração de Importação). Essas importações podem ocorrer apenas para os fins de (a) realização de suas atividades profissionais, inclusive na condição de produtor rural, artesão, artista ou assemelhado; (b) uso e consumo próprio; ou (c) composição de coleções pessoais, de maneira que permanece vedada a importação com o objetivo de revenda. Também está vedada que a pessoa física determine a entrega dos bens para terceiros.
A RFB tinha uma posição histórica de que como a Medida Provisória nº 2.158-35/2001 e a Lei nº 11.281/2006 faziam menção apenas a “pessoa jurídica” e seriam uma autorização especial, tais modalidades poderiam ser empregadas apenas quando o adquirente fosse pessoa jurídica, o que restringia a possibilidade de atuação comercial das trading companies e gerou diversas autuações de perdimento por “ocultação do real adquirente” em operações envolvendo pessoas físicas.
Essa posição, que já havia sido flexibilizada com a edição da Solução de Consulta COSIT nº 207/2021, foi superada em definitivo com a nova regulamentação. Com isso, empresas e pessoas físicas que já haviam sido autuadas no passado podem apresentar essa nova regulamentação como matéria de defesa para serem exonerados das penalidades aplicadas. Isso se tanto em função da regra de retroatividade benigna aplicável às penalidades aduaneiras/tributárias, consignada de maneira explícita no art. 106, inciso II, alínea “a” do Código Tributário Nacional quanto pelo fato de que a mudança de posição da Receita Federal do Brasil ocorreu sem qualquer alteração nas normas legais aplicáveis, o que demonstra que a operação realizada sempre foi possível, mas faltava a necessária regulamentação por parte do fisco, de maneira que não seria legítimo penalizar os importadores que, por falta de formas de efetivar a operação na forma correta, adotaram a estrutura da importação direta (com suprimento da falta acessória pela emissão de Nota Fiscal à pessoa física adquirente), sob o viés de inexigibilidade de conduta diversa (condição para a aplicação de uma sanção).
Destacamos que com a introdução da nova possibilidade, a Receita Federal do Brasil deve ficar mais atenta a importações para revenda por estabelecimentos varejistas, em especial na questão da existência ou não de solicitação prévia.
Nossa Equipe está totalmente à disposição para esclarecimentos de dúvidas adicionais e para aprofundar o tema.