Foi publicada hoje a Solução de Consulta COSIT nº 75/2023, na qual a Receita Federal do Brasil consignou, de maneira vinculante, seu entendimento de que o pagamento, pelo usuário final, para aquisição de softwares padronizados, independentemente do meio de entrega (físico ou digital), caracteriza royalty e está sujeito à incidência de IRRF sob a alíquota de 15%. Indiretamente, em função do enquadramento adotado, as remessas também serão tributadas pela CIDE-Remessas, à alíquota de 10%, prevista na Lei nº 10.168/2000, alcançando uma tributação global de 25%.
O posicionamento da Receita Federal do Brasil é um reflexo da ADI nº 5.659/MG, julgada em 2021, na qual restou definido que os softwares devem ser tributados exclusivamente pelo ISS mesmo na hipótese de serem padronizados, pela prevalência da Lei Complementar nº 116/03 e sua previsão no subitem 1.05 da caracterização como serviço o “licenciamento ou a cessão de direito de uso de programas de computador”. O enquadramento do pagamento como uma contraprestação por um serviço estrangeiro está alinhada com a atual jurisprudência do STF.
A grande questão é o passo adicional que foi dado pela Receita Federal, que não tratou o pagamento como a contraprestação por um serviço de licenciamento de software estrangeiro, situação em que (a) não haveria qualquer margem para incidência da CIDE-Remessas, diante da previsão do art. 2º, §1º-A da Lei nº 10.168/2000; e (b) embora em teoria fosse aplicável o IRRF à alíquota de 25% a teor do art. 746 do RIR/2018, essa tributação seria afastada caso a aquisição ocorresse de qualquer país com o qual o Brasil possui tratado para Evitar a Dupla Tributação ou outro tipo de acordo. Nesse caso, adotando-se o recente entendimento do STF, haveria tributação exclusiva pelo PIS/COFINS-Importação e pelo ISS, afastadas as demais incidências de tributos.
Ao afirmar que o pagamento é um royalty, a RFB atrai não apenas a incidência da CIDE-Remessas, como também o IRRF, diante da aplicação da ressalva à tributação na origem prevista no art. 11 dos Tratados para Evitar a Dupla Tributação do modelo OCDE. Do dia para a noite, uma operação que venha crescendo de maneira relevante diante da difusão das novas tecnológicas e a digitalização da sociedade como um todo e que deveria ser desonerada de tributos, passou a ser alcançada por uma tributação global de 25%, da qual os importadores de softwares estrangeiros sequer podem escapar ou questionar, já que isso vira uma condição ao fechamento do câmbio e à própria remessa ao exterior.
O entendimento da RFB não se sustenta. Na esfera brasileira, a definição de royalty é dada pelo art. 22 da Lei nº 4.506/64 , e nada mais é do que o rendimento de qualquer espécie pago/recebido em razão do uso, fruição, exploração de direitos de terceiros tais como os de (a) colher ou extrair recursos vegetais; (b) pesquisar e extrair recursos minerais; (c) usar ou comercializar invenções, processos e formulas de fabricação e de marcas de indústria e comércio; e (d) exploração de direitos autorais. A aquisição de um software, em linha com a própria definição do STF, representa a tomada de um serviço, cenário que previne o enquadramento nos preceitos acima, ainda que esse serviço tenha relação com uma propriedade intelectual protegida pela legislação brasileira.
Nesse cenário, nos parece recomendável o questionamento judicial do entendimento da Receita Federal do Brasil, com a tentativa de obtenção de medida liminar para evitar a retenção desses tributos, que tornaria diversas operações extremamente onerosas.