No dia 29 de dezembro de 2023 (última sexta-feira), foi apresentada ao Congresso Nacional a Medida Provisória nº 1.202/2023, uma nova estratégia do Governo Federal para aumentar a arrecadação tributária por meio de maior oneração das empresas.
Para tanto, a MP 1) revoga os benefícios fiscais do Perse (alíquota 0 de PIS/Cofins, IRPJ e CSLL) 2) restringe a desoneração da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento (reoneração da folha) e 3) limita a compensação de créditos tributários decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado favoravelmente ao contribuinte.
Abaixo, analisaremos as mudanças práticas da MP, os prazos para a sua produção de efeitos e possíveis perspectivas considerando os futuros embates e discussões no Congresso.
O texto da medida propõe a revogação de incentivos tributários concedidos pela Lei nº 14.148/2021, que dispõe sobre as ações emergenciais para mitigar os efeitos da pandemia da Covid-19.
Com a alteração, diversas empresas integrantes do setor de eventos não poderão mais gozar da alíquota 0 de PIS/Cofins, IRPJ e CSLL sobre suas atividades. Como a lei entrou em vigor em 4/2021, a benesse deveria permanecer válida pelo prazo de 60 (sessenta) meses, ou 5 (cinco) anos, e findaria apenas em 4/2026.
Porém, pressupondo-se a conversão em lei da medida ainda em 2024, ela terá a sua produção de efeitos: 1) a partir de 1º de janeiro de 2025, para o IRPJ, tendo em vista a anterioridade anual e 2) a partir de 1º de abril de 2024, para a CSLL, o PIS e a Cofins, considerada a anterioridade nonagesimal, ou seja, serão suprimidos 1 e 2 anos respectivamente do benefício fiscal ao qual os contribuintes têm direito.
Essa medida afetará, sobremaneira, os contribuintes dos setores hoteleiro, serviços de alimentação para eventos e recepções, cinematográfico, shows e festas, turismo, esportes, transportes (inclusive aéreo), restaurantes e similares, parques etc.
Relembra-se que o Senado Federal aprovou, em 24/05/2023, na forma do PLV 9/2023 (oriunda da MP nº 1.147/2022), uma maior regulamentação e condições para o usufruto do Perse, bem como o estendeu para o setor aéreo.
Diante desse cenário, entendemos que o texto da medida vai no sentido contrário da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (Súmula nº 544/STF), bem como contraria o Código Tributário Nacional (art. 178), no sentido de que a isenção, se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, não pode ser modificada/revogada por lei a qualquer tempo, sendo possível o ajuizamento de medida judicial cabível para afastar os seus efeitos.
O texto da MP, ainda, contraria muitas discussões e projetos os quais vinham sido aprovados no Congresso, o que pode agravar os debates no âmbito do legislativo.
Relembra-se que, no dia 14/12/2023, o Congresso derrubou o veto integral do Presidente da República ao PL 334/2023 (promulgado na forma da Lei nº 14.784/2023) que prorrogou, por mais quatro anos, a chamada desoneração da folha salarial.
Com a aprovação da lei, 17 (dezessete) setores da economia poderão continuar a substituir a contribuição previdenciária, incidente em 20% sobre o salário dos empregados, pela CPRB sobre a receita bruta com base na alíquota que varia de 1% a 4,5%.
Porém, uma vez que o Governo Federal não teve êxito na manutenção do veto, recorreu ao instituto da Medida Provisória para extinguir a CPRB e retornar gradualmente com a cobrança da contribuição previdenciária sobre a folha de salários dos setores mencionados.
Isso poderá ser um entrave ao Governo, uma vez que recentemente o Congresso entendeu pela relevância de se manter a desoneração, tanto na aprovação do PL quanto na derrubada do veto do Presidente.
A extinção, ainda, prevê as alíquotas “reduzidas” de contribuição previdenciária a serem aplicadas nos próximos anos a determinados setores da economia.
Assim, os setores de 1) transporte ferroviário de carga, metroferroviário de passageiros, rodoviário coletivo de passageiros e de táxi, escolar, de carga, dutoviário, 2) rádio, televisão, 3) programas de computador, consultoria em TI e outros deverão observar as seguintes alíquotas de contribuição previdenciária:
a) 10% em 2024;
b) 12,5% em 2025;
c) 15% em 2026; e
d) 17,5% em 2027.
Já os setores de 1) couro, 2) fabricação de artigos para viagem, bolsas e semelhantes de qualquer material, 3) calçados, 4) construção civil, 5) edição de livros e outros materiais de leitura e 6) atividades de consultoria em gestão empresarial deverão observar as seguintes alíquotas de contribuição previdenciária:
a) 15% em 2024;
b) 16,25% em 2025;
c) 17,5% em 2026; e
d) 18,75% em 2027.
Tais alíquotas deverão ser aplicadas sobre o salário de contribuição do segurado até o valor de 1 (um) salário-mínimo, aplicando-se as alíquotas vigentes na legislação específica sobre o valor que ultrapassar esse limite.
Além disso, de acordo com o art. 3º da MP, as empresas que aplicarem as alíquotas reduzidas deverão firmar termo no qual se comprometerão a manter, em seus quadros funcionais, quantitativo de empregados igual ou superior ao verificado em 1º de janeiro de cada ano-calendário (2024 a 2027).
Por fim, a MP revogou expressamente, a partir de 1º de abril de 2024, o adicional de 1 (um) ponto percentual da alíquota da Cofins-Importação para produtos dos setores automotivo, construção civil, metalúrgico, alimentos, vestuário, entre outros.
O texto analisado também propõe a alteração do art. 74 da Lei nº 9.430/1996 (que dispõe sobre a compensação dos tributos administrados pela SERFB), e inclusão do art. 74-A, para que seja implementado um limite mensal (a ser regulamentado pelo Executivo) à compensação de débitos utilizando créditos oriundos de ações judiciais, fracionando sua utilização no tempo.
Vale lembrar que a medida não se aplica às compensações em que o crédito é inferior a R$ 10 milhões (dez milhões de reais).
A partir desse patamar, conforme dispõe a MP, o valor poderá ser escalonado para utilização ao longo do tempo (mensal) por meio de Portaria do Ministério da Fazenda, observadas as seguintes diretrizes:
(i) O limite mensal será graduado em função do valor total do crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado;
(ii) O limite mensal não poderá ser inferior a 1/60 (um sessenta avos) do valor total do crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado.
A restrição à compensação poderá ser questionada judicialmente, uma vez que, além de não observar a segurança jurídica e previsibilidade, viola o direito adquirido dos contribuintes de recuperar valores recolhidos indevidamente aos cofres públicos, já reconhecidos em decisões transitadas em julgado.
Recentemente, em 3 de janeiro (quarta-feira), a Frente Parlamentar do Empreendedorismo, composta por Deputados e Senadores, manifestou-se de maneira contrária à MP. Nesse mesmo sentido, diversos setores da economia e representantes dos contribuintes se posicionaram, os quais entendem que a medida gera insegurança jurídica.
Em nota publicada pela Agência Senado, o Congresso Nacional deve reunir os líderes partidários ainda em janeiro de 2024 para discutir o assunto. O Presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD/MG) já se manifestou no sentido de que deverá ser feita uma “análise técnica” da MP.
Trata-se, portanto, de tema de relevantíssimo grau de impacto no planejamento tributário dos contribuintes, justamente porque a medida revoga benefícios concedidos por prazo certo (legítima expectativa e confiança), bem como limita o direito das empresas nas compensações de créditos que lhes são de direito.
O escritório schneider, pugliese, está acompanhando atentamente a matéria, tanto na via legislativa quanto na judicial, e permanece à disposição para esclarecer quaisquer dúvidas acerca das repercussões do texto em análise, bem como para avaliar as possibilidades de êxito, na esfera judicial, para questionar as alterações promovidas pela MP.