Desde 2012, sob a liderança da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (“OCDE”) e do Grupo dos Vinte (“G20”), deu-se início a uma reforma tributária global com o objetivo de redistribuir os direitos de tributação sobre os lucros e transações de empresas multinacionais, denominada Projeto BEPS (Base Erosion and Profit Shifting). O Brasil, desde o início desse projeto, posicionou-se de forma favorável às medidas propostas. Após 2015, diversos outros países aderiram ao BEPS, culminando na criação de uma estrutura global inédita de governança tributária, denominada “Inclusive Framework”.
Por meio do Inclusive Framework, a OCDE desenvolveu a chamada “Abordagem Unificada” para a tributação de multinacionais, alicerçada em dois pilares. O Pilar 1 visa garantir uma maior arrecadação para ao “País-Mercado”, onde as vendas ocorrem. Já o Pilar 2 estabelece uma tributação mínima global, com uma alíquota de 15% sobre o lucro de grupos multinacionais com faturamento global anual superior a 750 milhões de euros. Esse segundo pilar institui a Regra Global Anti-Erosão de Base (GloBE), que impõe mecanismos para assegurar o recolhimento de impostos sobre o lucro, evitando que as empresas transfiram lucros para jurisdições de baixa tributação e, assim, garantam o pagamento da tributação mínima estabelecida.
O intuito dessas medidas é estimular que todos os países adaptem suas normas de tributação corporativa, de forma a evitar a erosão de suas bases tributárias e a perda de receita para outras jurisdições.
Como parte desse movimento de adaptação à legislação internacional e às Regras GloBE, o Brasil editou a Medida Provisória (“MP”) nº 1.262/2024, publicada em 3 de outubro de 2024. Esta MP institui o Adicional da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSLL”), aplicável a grupos multinacionais que apresentarem receita anual consolidada igual ou superior a 750 milhões de Euros em pelo menos dois dos quatro últimos exercícios fiscais anteriores ao ano analisado(1). A medida visa combater a transferência de lucros para jurisdições de baixa ou nenhuma tributação, preservando a arrecadação nos países onde o valor econômico efetivamente é gerado, e garantir que as multinacionais sejam tributadas a uma alíquota mínima de 15%(2).
As regras estabelecem que a diferença positiva entre a alíquota mínima de 15% e a alíquota efetiva (calculada de acordo com as regras GloBE) das subsidiárias em uma determinada jurisdição será recolhida na jurisdição da entidade que tenha apurado lucros excedentes no ano fiscal(3).
Em linhas gerais, a alíquota efetiva é calculada com base na divisão entre os tributos ajustados de cada entidade e o lucro líquido ou o prejuízo apurado, que é submetido a ajustes específicos, excluindo-se rendas ou lucros que não devem compor a base de cálculo global(4). Assim, independentemente de incentivos fiscais ou isenções concedidas por diferentes jurisdições, as multinacionais estarão sujeitas a uma tributação mínima de 15%.
De acordo com a MP, os tributos ajustados de cada entidade são aqueles incidentes sobre a renda ou lucros(5), um conceito introduzido pelo Pilar 2 como “covered taxes”, que corresponde a quaisquer tributos sobre a renda ou lucros de uma entidade, sujeitos a ajustes para a determinação da alíquota ajustada final.
A MP também contempla regras de transição, como a exclusão do lucro baseada na substância, que permite a exclusão parcial do lucro tributável com base em dois componentes principais: folha de pagamento e ativos tangíveis(6). Isso garante que a tributação incida apenas sobre os lucros efetivamente vinculados à substância econômica gerada pela empresa, evitando dupla tributação.
Adicionalmente, a MP estabelece que os grupos multinacionais devem prestar à Receita Federal todas as informações necessárias para a correta apuração do Adicional da CSLL, sob pena de aplicação de multas em caso de omissão, inexatidão, incorreções ou falta de fornecimento das informações requeridas(7).
É relevante mencionar que o Art. 3º da MP nº 1.262/2024 delega à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB) a competência para regulamentar diversos aspectos práticos e técnicos da aplicação do Adicional da CSLL(8), o que foi feito por meio da Instrução Normativa RFB nº 2.228/2024, publicada também em 3 de outubro de 2024. A Instrução Normativa dispõe, entre outros temas, sobre os procedimentos para conversão de moedas estrangeiras, definições de termos essenciais à apuração, ajustes na determinação do lucro ou prejuízo líquido contábil do ano fiscal, alocação de lucros e tributos entre entidades de um grupo multinacional e regras simplificadoras (safe harbours) de transição.
A MP nº 1.262/2024 passa a vigorar a partir de sua publicação, em 03 de outubro de 2024. Contudo, as principais disposições que impõem a alíquota mínima de 15% serão aplicadas a partir de 1º de janeiro de 2025(9). Assim, os contribuintes terão um prazo de adequação às novas regras, assegurando que estejam em conformidade com os critérios estabelecidos para a apuração do Adicional da CSLL.