Sancionada pela Presidência da República e publicada no DOU em 16 de setembro, a Lei 14.973, decorrente de acordo entre os Poderes Executivo e Legislativo, tem sido amplamente divulgada em razão de prever o fim gradual da opção pelo recolhimento da CPRB em substituição à tributação da folha de salários – a chamada “desoneração da folha de pagamento” – para 17 setores da economia.
Conforme será demonstrado a seguir, a novel legislação apresentou “medidas compensatórias” questionáveis.
Em seus arts. 35 a 45, a Lei 14.973 instituiu um novo regramento para a remuneração dos depósitos realizados em processos administrativos ou judiciais em que figure a União, qualquer de seus órgãos, fundos, autarquias, fundações ou empresas estatais federais dependentes como parte.
Especificamente, o art. 37, II da norma prevê que o levantamento dos valores por seu titular em caso de êxito na demanda será acrescido de “correção monetária por índice oficial que reflita a inflação”.
Ocorre que ao assim dispor, a nova Lei revogou o art. 1º, §3º, I da Lei 9.703/1998, o qual previa que os depósitos seriam devolvidos acrescido de juros, na forma estabelecida pela Lei nº 9.250/1995, ou seja, mediante a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – Selic para títulos federais, acumulada mensalmente.
Com o novo texto, ao dispor sobre “índice oficial que reflita a inflação”, é provável que o novo índice utilizado na correção dos depósitos judiciais e administrativos seja o IPCA, calculado pelo IBGE e considerado o oficial pelo Governo Federal.
A diferença entre ambos os índices é considerável, com grande implicação, sobretudo, aos depósitos de quantias maiores.
Confira-se a simulação da atualização do valor de alçada de R$ 200.000,00 entre o período de 06/2023 a 06/2024 para ambos os índices, o que resulta em uma correção quase duas vezes menor:
A problemática não se refere apenas à diminuição do valor. A alteração do índice de correção da Selic para o IPCA fere também a jurisprudência dos Tribunais Superiores, a exemplo:
(i) Tema nº 810 da repercussão geral: “1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput)”;
(ii) Tema Repetitivo nº 905: “3.3 Condenações judiciais de natureza tributária. A correção monetária e a taxa de juros de mora incidentes na repetição de indébitos tributários devem corresponder às utilizadas na cobrança de tributo pago em atraso. Não havendo disposição legal específica, os juros de mora são calculados à taxa de 1% ao mês (art. 161, § 1º, do CTN). Observada a regra isonômica e havendo previsão na legislação da entidade tributante, é legítima a utilização da taxa Selic, sendo vedada sua cumulação com quaisquer outros índices”.
Em ambos os temas do STF e do STJ, de eficácia vinculante, tem racional no sentido de que a remuneração de tributos devidos pela Fazenda Nacional deve ser levada a cabo com o mesmo índice que a própria Fazenda utiliza para remunerar o seu crédito tributário.
Assim, a Lei 14.973, ao dispor índice diverso daquele utilizado pela União para a remuneração de seus créditos, reduzindo sobremaneira o montante levantado pelo contribuinte ao final da demanda judicial ou administrativa, violou a isonomia e o direito de propriedade.
De acordo com o art. 50 da nova Lei, as suas disposições entraram em vigor na data de sua publicação (16/9).
Verifica-se, no entanto, disposição expressa no sentido de que os valores que estejam depositados na Conta Única do Tesouro Nacional serão corrigidos conforme previsto na norma vigente ao tempo do depósito, aplicando-se o disposto neste Capítulo a partir de sua vigência (arts. 40 a 42).
Assim, com base nessa disposição, depósitos efetuados anteriormente à vigência da Lei 14.973 serão corrigidos pela Selic, e os posteriores corrigidos por “correção monetária por índice oficial que reflita a inflação”.
Trata-se, portanto, de tema de relevantíssimo grau de impacto ao planejamento de contingência dos contribuintes, justamente porque a medida limita o montante levantado ao final da demanda judicial ou administrativa.
O escritório Schneider Pugliese está acompanhando atentamente a matéria e permanece à disposição para o ingresso de medida judicial a fim de fazer valer a jurisprudência dos Tribunais Superiores, bem assim o princípio da isonomia, na remuneração dos depósitos judiciais.